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Não é só coisa de jogo
O futebol é um esporte transformador, que arrasta seus torcedores pelo mundo afora. Seria errado conciliarmos as pautas sociais e culturais ao esporte?
Confira na produção da nossa aluna de Enfermagem, Lorena Lima, sob orientação da professora Gisele Carvalho.
Desde junho de 2019, o Superior Tribunal Federal (STF) decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com pena prevista de um a três anos de cadeia. Após essa decisão, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) passou a recomendar que árbitros relatassem casos de homofobia nas súmulas das partidas e parassem os jogos caso isso acontecesse. Passou também a correponsabilizar os times pelas atitudes homofóbicas tomadas por seus jogadores e torcedores durante as partidas de futebol ou em um raio de 5 km dos estádios. É necessário compreender por que essas ações são de suma importância dentro do cenário futebolístico.
O futebol é um ambiente homofóbico, considerado “coisa de macho”, mesmo em um país onde a Seleção de Futebol Feminino tem a melhor jogadora de futebol do mundo, eleita pela FIFA por 5 anos consecutivos e, em 2018, eleita a melhor jogadora de futebol do planeta. Uma evidência desse ambiente é a quase inexistência de homossexuais assumidos no futebol masculino. No Brasil, existem mais de 80 mil jogadores profissionais de futebol, e o único exemplo recente de um jogador que se assumiu homossexual é o goleiro Messi do Palmeira, o qual não está em um clube de expressão e sim em um time do interior do Rio Grande do Norte. Mais uma prova é que, até o dia 3 de fevereiro de 2022, apenas em quatro das vinte equipes da Série A havia jogadores com a camisa 24, número relacionado ao animal veado. Torcedores homossexuais relatam, em redes sociais, medo de assistirem a jogos de futebol acompanhados por seus cônjuges, namorados ou namoradas, medo não só de repressão verbal, mas também da violação de sua integridade física. Os cânticos apresentam-se, muitas vezes, opressivos e assumem uma postura de ameaças à vida, como o entoado em 26 de setembro de 2018, em um clássico de rivalidade lendária, em que a torcida atleticana gritava: “Ô Cruzeirense, toma cuidado: o Bolsonaro vai matar veado!”
A questão que divide opiniões é a de o time ser corresponsabilizado pelas atitudes homofóbicas de seus torcedores. Afinal, é consenso que cada indivíduo deva arcar com as consequências de seus próprios atos. Mas, para que isso aconteça, a identificação do agressor é de suma importância. Visto que muitos dos responsáveis por tais atos fazem parte de torcidas organizadas, os clubes apresentam maior facilidade em identificá-los. Assim, uma maneira encontrada pelo STJD é exatamente corresponsabilizar os clubes por tais ocorrências, porém estes têm ainda a oportunidade de diminuir os valores de multas se implementarem ações contra a homofobia e se as disseminarem entre seus torcedores. Outro motivo para essa corresponsabilização é o histórico de atos homofóbicos encobertos e, por muitas vezes, aplaudidos e disseminados, tanto pelos clubes de futebol no Brasil quanto por seus jogadores, como o grito “Bambi”, que se refere à torcida do São Paulo, criado e disseminado pelo então jogador e depois dirigente e treinador Vampeta, e o grito “Marias”, direcionado à torcida do Cruzeiro.
Precisamos entender que o futebol tem um poder de transformação cultural e social. Ele é o esporte mais popular do planeta. Torcedores fazem viagens longas e lotam estádios, sozinhos ou integrando torcidas organizadas; crianças tem o sonho de se tornarem jogadores profissionais; diversos projetos sociais em comunidades carentes pelo Brasil afora tiram as crianças das ruas e as retornam para as escolas por meio do esporte. Já que o futebol é um esporte transformador, que arrasta seus torcedores pelo mundo afora, por que seria errado conciliarmos as pautas sociais e culturais ao esporte? Afinal, nossa sociedade deve ser plural, diversa e inclusiva.